quarta-feira, 13 de julho de 2011

Irineu de Lyon (Série pais da igreja)

      Irineu  de Lyon (Série pais da igreja)
                                                                       

Ireneu de Lião, em grego [pacífico], em latim Irenaeus, (ca. 130 — 202) foi um Padre da Igreja, teólogo e escritor cristão que nasceu, segundo se crê, na província romana da Ásia Proconsular - a parte mais ocidental da actual Turquia - provavelmente Esmirna.

A Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa consideram-no "santo", comemorado, pela primeira, a 28 de Junho e pela última a 23 de Agosto.
Índice

Biografia

Há escassa informação sobre sua vida e muitas coisas são pouco exatas. Teria nascido na Asia proconsular, pelo menos em alguma província em seu limite, na primeira metade do século II. Não se sabe a data certa de seu nascimento. Está entre os anos 115 e 125, ou entre 130 e 142 segundo outros autores.

O que é certo é que, ainda muito jovem, tinha visto e escutado em Esmirna o bispo São Policarpo (?-155) o qual, que, por sua vez, segundo uma tradição atestada por Papias, fora discípulo de João Evangelista. Durante a perseguição ordenada por Marco Aurélio, Ireneu era sacerdote na igreja de Lyon naquela época chamada Lugdunum, na Gália. O clero da cidade, muitos dos quais presos por testemunharem sua Fé, o enviou (em 177 ou 178) a Roma, com carta ao papa Eleutério sobre o Montanismo, testemunhando de seus muitos méritos. De retorno à Gália, Ireneu sucedeu o mártir São Potínio como bispo de Lyon.

Durante a trégua religiosa subsequente à perseguição de Marco Aurélio, o novo bispo dividiu seu tempo entre deveres como pastor e missionário (do que temos poucas e incertas informações) e os seus escritos, quase todos dirigidos contra a heresia do Gnosticismo, que começava a se espalhar pela Gália. Em 190 ou 191, intercedeu junto ao Papa Vitor para suspender a sentença de excomunhão imposta sobre as comunidades de cristãos na Ásia Menor, que continuavam as práticas dos Quartodecimanos - que desejavam celebrar a Páscoa numa data própria -.

Ignora-se a data de sua morte, que deve ter ocorrido no fim do século II ou início do século III. Testemunhos isolados e tardios nesse sentido, indicam seu martírio por volta de 202 d.C. quando do reinado de Setímio Severo ou nas mãos de hereges.

A Obra Teológica

Ireneu escreveu em grego a sua obra, que lhe veio assegurou lugar de prestígio excepcional na literatura cristã devido, não só, às questões religiosas controversas de importância capital que abordou, bem como por mostrar o testemunho de um contemporâneo das primeiras gerações cristãs. Nada do que escreveu chegou a nós no texto original, mas muitos fragmentos existem e citações em escritores posteriores como Hipólito Romano e Eusébio de Cesareia.

Duas de suas principais obras chegaram até aos dias de hoje em suas versões latinas e arménias: a primeira é a "Exposição e refutação do pretenso, mas falso conhecimento", em português conhecida como "Contra as Heresias" por ser frequentemente conhecida e citada pelo seu nome latino de "Adversus Haereses".

É uma obra para combater o Gnosticismo. Em seus cinco livros, expõe de início as doutrinas gnósticas, com referências às suas distintas seitas e escolas nascidas nas comunidades cristãs. Ao refutar as versões mais importantes (de Valentim, de Basilides e de Marcião) Ireneu frequentemente opõe a elas a verdadeira doutrina da Igreja da sua época, dando-nos, deste modo - pelo seu recurso à razão, à doutrina da Igreja e à Bíblia -, testemunhos indirectos e directos relevantes acerca do que então era tido como a "doutrina eclesial" pois . Aborda, ainda, passagens muito comentadas pelos teólogos que dizem respeito ao Evangelho de João, à Eucaristia e à primazia da Igreja Romana. Ireneu termina esta obra defendendo a ressurreição da carne, escândalo máximo para os gnósticos. Dos originais restaram fragmentos, e há traduções latinas e armênias. Até a descoberta, em 1945, da chamada Biblioteca de Nag Hammadi, esta obra de Ireneu era a melhor descrição das correntes gnosticas do início da era cristã.

A sua segunda obra é a "Exposição ou Prova do Ensinamento Apostólico", breve texto, cujo conteúdo corresponde na perfeição ao seu título. Há dela uma muito antiga tradução, literal, em armênio. Ireneu não quer nela refutar as heresias, mas confirmar aos fiéis a exposição da doutrina cristã, sobretudo ao demonstrar a verdade do Evangelho por meio de profecias do Velho Testamento. Embota não contenha nada do que já não tenha sido dito em "Adversus Haereses", é um documento de grande interesse e magnífico testemunho da fé profunda e viva de Ireneu.

Do restante da sua obra seguinte, apenas existem fragmentos espalhados. Muitos só se conhecem por menção a eles feita por outros escritores. São eles:

* um tratado contra os gregos, intitulado "Sobre o Conhecimento", mencionado por Eusébio de Cesareia
* um documento dirigido ao sacerdote romano Florinus "Sobre a Monarquia, ou como Deus não é a causa do Mal" com fragmento na "História Eclesiástica" de Eusébio
* um documento "Sobre Ogdoad", provavelmente contra o "Ogdoad" do gnóstico Valentim escrito para o mesmo supra-citado sacerdote Florinus, que aderira à seita dos Valentinianos do qual há fragmento em Eusébio
* um tratado sobre o cisma dirigido a Blastus (mencionado por Eusébio)
* uma carta ao Papa Vítor contra o sacerdote romano Florinus (fragmento em siríaco)
* outra carta ao mesmo papa sobre a controvérsia pascal (da qual há trechos em Eusébio)
* cartas a vários correspondentes sobre o mesmo tema (mencionadas por Eusébio; fragmento preservado em siríaco)
* um livro com numerosos discursos, provavelmente uma coleção de homilias (mencionado por Eusébio)

Traços de um pensamento

Para Ireneu, na senda do progresso constante na Revelação contida na Bíblia, há somente um Deus (Théos) e não um Deus e um demiurgo ou "ser divino" (theios) como era propagado pelas correntes gnósticas. Para estas, de facto, a Criação é obra do demiurgo - δημιουργός em grego, demiurgus em latim - pois, fruto do seu pessimismo diante da matéria criada, não concebiam que a Divindade pudesse contactar com a mesma (Adversus Haereses I, 5, 1-6). Ireneu sublinha não só a identidade entre Deus e o Criador (Adversus Haereses V, II, 1, 1; IV, 5, 2-4) e que, assim, todo o Universo provém do bem e tem em vista o bem, mas igualmente que a Criação não era, como diziam os gnósticos, fruto de um erro de concepção inicial: «neque per apostasiam et defectionem et ignoratiam» (Adversus Haereses II, 3, 2).
O núcleo de um pensamento:
«A glória de Deus é o Homem vivo, e a vida do Homem consiste em ver a Deus. Pois se a manifestação de Deus que é feita por meio da criação, permite a vida de todos os seres vivos na Terra, muito mais a revelação do Pai que nos é comunicada pelo Verbo, comunica a vida àqueles que amam a Deus»
Adversus Haereses IV, 20, 7

A sua antropologia parte da afirmação de que o Homem - entenda-se: a unidade inseparável de corpo e alma (Adversus Haereses V, 6, 1) -, sendo criado por Deus, é bom. Contudo, por ser uma criatura, o Homem não é perfeito e, assim, está propenso a ir contra sua natureza e optar livremente por decair, sem, contudo, que tal faça destruir a sua natureza (Adversus Haereses IV, 37, 5). Para Ireneu é o livre-arbítrio que torna o Homem semelhante a Deus: «liberae sententiae ab initio est homo, et liberae sententiae est Deus, cui similitudinem factus est» (Adversus Haereses IV, 37, 4). Deste modo, sendo todo o Homem livre em seus actos é, igualmente, responsável pelos mesmos. O mal que pode ser deslindado no Mundo, assim, não é da responsabilidade de Deus, mas das opções desordenadas do Homem.
O núcleo de um pensamento:
«A glória de Deus é o Homem vivo, e a vida do Homem consiste em ver a Deus. Pois se a manifestação de Deus que é feita por meio da criação, permite a vida de todos os seres vivos na Terra, muito mais a revelação do Pai que nos é comunicada pelo Verbo, comunica a vida àqueles que amam a Deus»  Adversus Haereses IV, 20, 7

Santíssima Trindade

"Já temos mostrado que o Verbo, isto é, o Filho esteve sempre com o Pai. Mas também a Sabedoria, o Espírito estava igualmente junto dele antes de toda a criação" (Contra as Heresias IV,20,4).

Irineu afirma a igualdade de essência e dignidade entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo (Adv. Haeres., II, 13, 8).

Batismo trinitário

“Ao dar a Seus discípulos poder para que fizessem os homens renascer de Deus, o Senhor lhes disse: Ide e fazei discípulos Meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. (Mt 28,19)

(Do Tratado Contra as heresias – Lib. 3,17,1-3 : SCh 34, 302-306)

Eucaristia e ressurreição da carne

No Tratado contra as heresias Irineu redige a doutrina da Eucaristia: Corpo e Sangue de Cristo e a ressurreição da carne:

Se não há salvação para a carne, também o Senhor não nos redimiu com o Seu Sangue. Portanto, quando o cálice de vinho misturado com a água e o pão natural recebem a Palavra de Deus, transformam-se na eucaristia do Sangue e do Corpo de Cristo. Recebendo a palavra de Deus, tornam-se a eucaristia, isto é, o Corpo e o Sangue de Cristo. Assim também os nossos corpos, alimentados pela eucaristia, depositados na terra e nela desintegrados, ressuscitarão a seu tempo, quando o Verbo de Deus lhes conceder a ressurreição para a glória do Pai. É ele que reveste com sua imortalidade o corpo mortal e dá gratuitamente a incorruptibilidade a carne corruptível. Porque é na fraqueza que se manifesta o poder de Deus.

(Lib. 5,2,2-3 : SCh 153,30-38)


Irineu afirma também o caráter propiciatório da Eucaristia em seu monumental "Contra as heresias":

"(Nosso Senhor) nos ensinou também que há um novo sacrifício da Nova Aliança, sacrifício que a Igreja recebeu dos Apóstolos, e que se oferece em todos os lugares da terra ao Deus que se nos dá em alimento como primícia dos favores que Ele nos concede no Novo Testamento. Já o havia prefigurado Malaquias ao dizer: Porque desde o nascer do sol, (...) (Malaquias, I, 11). O que equivale dizer com toda clareza que o povo primeiramente eleito (os judeus) não havia mais de oferecer sacrifícios, senão que em todo lugar se ofereceria um sacrifício puro e que seu nome seria glorificado entre as nações."

Virgem Maria

De importância singular é, também, o pensamento de Ireneu sobre Maria, pelo desenvolvimento do paralelismo antitético que elabora, dentro do quadro da sua exposição da Redenção operada por Cristo, entre a mãe de Jesus - figura da obediência e da humildade - e Eva - tipo daquela e imagem da desobediência e do orgulho - :

"A Virgem Maria... sendo obediente à sua palavra, recebeu do anjo a boa nova de que ela daria à luz Deus". (Contra as Heresias V, 19,1)

Primado do Bispo de Roma

Depois de afirmar a primazia da Sé de Roma enumera os Bispos de Roma que governaram a Igreja até então:

"Para a maior e mais antiga a mais famosa Igreja, fundada pelos dois mais gloriosos Apóstolos, Pedro e Paulo." e depois "Os bem-aventurados Apóstolos portanto, fundando e instituindo a Igreja, entregaram a Lino o cargo de administrá-la como Bispo; a este sucedeu Anacleto; depois dele, em terceiro lugar a partir dos Apóstolos, Clemente recebeu o episcopado."

(Contra as heresias - 1.III, 1,12; 2,1´2; 3.1´3; 4,1; P.G. 7, 844ss; S.C.34)

Evangelhos canônicos

Irineu afirma claramente a divisão em quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), fazendo numerosas citações desses evangelhos, únicos evangelhos reconhecidos como autênticos e lidos na Igreja atesta Irineu:

Mateus compôs o Evangelho para os hebreus na sua língua, enquanto Pedro e Paulo em Roma pregavam o Evangelho e fundavam a Igreja.´ (Adv. Haereses II, 1,1) ‘Depois de sua morte, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos transmitiu também por escrito o que Pedro tinha pregado. Assim mesmo Lucas, o companheiro de Paulo, consignou num livro o evangelho pregado por este. ´Enfim, João, o discípulo do Senhor, o mesmo que reclinou sobre o seu peito, publicou também o Evangelho quando de sua estadia em Éfeso. Ora, todos esses homens legaram a seguinte doutrina: Quem não lhes dá assentimento despreza os que tiveram parte com o Senhor, despreza o próprio Senhor, despreza enfim o Pai; e assim se condena a si mesmo, pois resiste e se opõe à sua salvação – e é o que fazem todos os hereges’. (Contra as heresias)

Ireneu em sua obra também faz referência aos Livros Sagrados chamados deuterocanônicos referindo-se a Sabedoria, a história de Susana, Bel e o dragão (livro de Daniel), e Baruc.

Apontamentos acerca da sua refutação do Evangelho de Judas

A sua extensa e completa refutação das diferentes doutrinas gnósticas vem sendo recordada por ocasião do redescobrimento do texto pseudo-epigrafo conhecido como o Evangelho de Judas. Acerca deste texto, Ireneu disse que era utilizado por um grupo gnóstico auto-denominado cainitas, os quais:
«dizem que Caim nasceu de uma Potestate superior, e se professam irmãos de Esaú, Coré, os sodomitas e todos os seus semelhantes. Por isto, o Criador os atacou, mas a nenhum deles pôde-se fazer mal. Pois, a Sabedoria tomava para si mesma o que deles havia nascido dela. E dizem que Judas, o traidor, foi o único que conheceu todas estas coisas exatamente, porque somente ele entre todos conheceu a verdade para levar em frente o mistério da traição (...). Para isto, mostram um livro de sua invenção, que chamam o "Evangelho de Judas".» (Adversus Haereses, I, 31, 1)

Na continuação, Ireneu, desmascarando o louvor que os cainitas faziam de Judas por este ter entregue Jesus, e assim, segundo estes, ousado experimentar a realização da mais cruel traição como caminho para a realização de um número maior de "experiências" gnósticas, faz notar, não sem uma ironia fina, que
«Estes (os cainitas) chamam de Hystera a este criador do céu e da terra e dizem, como Carpocrates, que o Homem não pode ser salvo se não passar por todo o tipo de experiências. Um anjo, segundo eles, está continuamente à espera de todos os seus actos, incentivando-os para todo o tipo de actos pecaminosos e abomináveis (...). Seja qual for a natureza de tais acções, eles declaram que as fazem em nome de tal anjo, dizendo: "Ó anjo, eu usei o teu trabalho; o teu poder, eu realizei esta acção!" E advogam que isto é o "conhecimento perfeito."» (Adversus Haereses I, 31, 2)

Adiante, faz reparar a inconsistência da argumentação daqueles que seguiam os ensinamentos também contidos no "Evangelho de Judas", ao expôr a incongruência das sua posições:
«Dizem eles que a paixão do decimo segundo Aeon é demonstrada pela morte de Judas. Contudo, ainda segundo eles, tal Aeon, cujo tipo declaram ser Judas, depois de ser separado de Enthymesis, foi restaurado e retomou a sua posição antiga; contudo Judas foi retirado (do seu cargo), expulso, e Matias foi escolhido em seu lugar, de acordo com o que está escrito.» (Adversus Haereses II, 20, 2)


Ligação externa

* (en) Catholic Encyclopaedia: St. Irenaeus
* Site com a obra de S. Ireneu «Contra as Heresias», em espanhol

Nenhum comentário:

Postar um comentário